"Caso Berna": Como A Gazeta Esportiva relatou a condenação de Cuca - Gazeta Esportiva

04/29/2023 05:00:03
 

Por Iúri Medeiros

A condenação de Cuca por abuso sexual à vulnerável em 1989 voltou à tona com a curta passagem do treinador pelo Corinthians. Durante seu período no Timão, o técnico foi alvo de protestos de torcedores na internet, no CT Dr. Joaquim Grava e no Parque São Jorge.

Por muito tempo, a condenação de Cuca e outros companheiros dos tempos de Grêmio (Henrique Arlindo, Eduardo Hamester e Fernando Castoldi) caiu em esquecimento na cobertura esportiva do país. Na época em que o episódio de Berna aconteceu, o jornal A Gazeta Esportiva acompanhou o desenrolar da história, desde a prisão dos jogadores em 1987 até a condenação, em 1989.

Acusação

No dia 1º de agosto de 1987, foi relatado no periódico que os quatro jogadores do Grêmio foram acusados de “terem violentado uma jovem de 14 anos” e acabaram detidos em Berna, na Suíça, durante uma excursão da delegação gremista pela Europa. Vale citar que os jornais locais apontam que a vítima tinha 13 anos na época.

“Eles (jogadores) aguardam um primeiro pronunciamento da Justiça, que se manifestará hoje após analisar o laudo dos exames clínicos efetuados na Universidade de Berna”, relatou o jornal.

A Gazeta Esportiva repercutiu na mesma edição o depoimento de Coronel Feijó, vice-presidente do Grêmio e chefe de delegação na época. “Existe a suspeita da polícia, mas nós estivemos à tarde no hotel e temos certeza de que não ocorreu. A moça andava pelo quarto dos jogadores, pedindo autógrafos e camisetas. À tarde saímos para treinar e lá estavam elas na porta do hotel, acenando com camisa, aparentemente sem problemas. Depois surgiu a notícia da acusação de de que ela teria sido abusada. Nós estamos recebendo apoio do consulado brasileiro”, afirmou o dirigente gremista ao repórter José Roberto Ercolin.

Dois dias depois da primeira repercussão do caso, A Gazeta Esportiva noticiou pela primeira vez a versão da vítima, além de detalhar como funciona a lei suíça para esse tipo de violação. “A jovem suíça disse ter ido ao hotel onde estão os jogadores do Grêmio para pedir autógrafos, junto com uma amiga. Segundo sua versão, os jogadores a trancaram num dos quartos, onde ela foi violada duas vezes e de forma violenta.”

“Segundo as leis suíças, as relações sexuais são permitidas somente a partir dos dezesseis ano. A pena mínima por violação é de seis meses de prisão”, complementou o periódico.

Na edição do dia 5, o jornal noticiou que os dirigentes gremistas já esperavam a liberação dos atletas àquela altura. “Eles tiveram uma grande decepção ao tomarem conhecimento das notícias que receberam do advogado contratado pelo clube na Suíça, segundo o qual os jogadores devem permanecer detidos até o final de semana.”

Por outro lado, a previsão era que a incomunicabilidade dos jogadores estava prestes a ser suspensa. “Só depois disso os próprios responsáveis pela delegação do Grêmio na excursão à Europa tomarão conhecimento da versão dos jogadores sobre o episódio, já que até agora eles só puderam prestar depoimento à polícia suíça.”

Na edição do dia seguinte do jornal A Gazeta Esportiva, foi relatado que o advogado colocado à disposição do clube pela embaixada brasileira informou aos dirigentes gremistas que a acusação contra o jogadores mudou: não era mais de estupro e sim de atentado ao pudor e perversão de menores. “As autoridades suíças explicaram, ainda, que a prisão preventiva dos jogadores está sendo mantida pelo fato de eles não terem residência fixa na Suíça”, complementou o periódico.

No dia 8 de agosto, o jornal falou da possibilidade dos jogadores serem liberados antes mesmo do julgamento, mediante pagamento de fiança. “Já não se acredita, de qualquer forma, que eles fiquem presos até a época do julgamento, caso a fase de instrução do processo se estenda ainda por muito tempo. Segundo a legislação suíça, decretação da prisão preventiva tem uma duração de 15 dias, dos quais sete já foram cumpridos.”

A Gazeta Esportiva também informou que os jogadores, que ainda estavam incomunicáveis, possuíam situações diferentes no processo. “Acredita-se que Fernando e Cuca deverão ser absolvidos ou mesmo liberados antes de irem a julgamento, por falta de provas que os incrimine. Quanto a Henrique e Eduardo, contudo, eles já admitiram terem mantido contato físico, embora não sexual, com a menina.”

Relato da vítima

No dia 14 de agosto de 1987, o jornal teve acesso em detalhes ao depoimento de Sandra Pfaffli, a vítima do caso. Em seu relato, ela confirma que Cuca teve envolvimento no abuso, segurando-a com Eduardo e Fernando, enquanto Henrique a estuprou.

“A situação dos quatro jogadores do Grêmio que estão presos e incomunicáveis na Suíça se tornou ainda mais delicada depois que a menina Sandra Pfaffli, de 14 anos, confirmou em seu depoimento ter sido violentada no apartamento 204 do hotel em que estava hospedada a delegação brasileira, em Berna. Segundo ela, Cuca, Fernando e Eduardo a seguraram, enquanto Henrique a estuprou. Um segundo jogador, que Sandra não soube reconhecer, também manteve relações com ela. Se forem condenados pela Justiça, os jogadores podem cumprir de seis meses a três anos de detenção”, relatou o jornal.

Liberdade

No dia 29 de agosto, os quatro jogadores do Grêmio deixaram a prisão em Berna após ficarem cerca de um mês detidos. “O caso foi analisado pelo juíz suíço, após os depoimentos dos quatro jogadores e da jovem suíça. Fernando, Henrique, Eduardo e Cuca foram libertados mediante uma fiança, cujo valor não foi revelado pela diretoria do Grêmio”, relatou A Gazeta Esportiva.

Com o retorno dos jogadores confirmado, a torcida gremista preparou uma grande recepção para os atletas. O clima de alegria também tomou conta de dirigentes, comissão técnica e elenco. “Fernando, Henrique, Eduardo e Cuca estão sendo aguardados na manhã de hoje no aeroporto Salgado Filho, juntamente com o advogado Luís Silveira Martins. A torcida do Grêmio preparou uma grande recepção aos quatro jogadores. Tão logo vazou a notícia de libertação de Fernando, Henrique, Eduardo e Cuca, houve uma euforia incontida entre os dirigentes, comissão técnica e jogadores do Grêmio no Estádio Olímpico”, relatou o periódico.

Condenação e palavras de Cuca

A condenação dos quatro jogadores aconteceu em setembro de 1989. Cuca foi condenado a 15 meses de prisão, mas acabou trocando a pena por uma multa indenizada de cerca de R$ 9 mil. Na edição do dia 10 de setembro daquele ano, A Gazeta Esportiva conversou com o ex-técnico do Corinthians sobre o caso, caracterizando-o como um “homem amargurado, punido (justa ou injustamente?) pelo destino”.

“Eu não tenho mais coração para a minha profissão. Trabalho para tirar o que for melhor para a minha família, sem qualquer envolvimento emocional com o clube. Já sofri e me decepcionei demais com as pessoas”, disse Cuca com “uma intelegível expressão de dor”, na manhã do jogo entre Flamengo e Grêmio pela Copa do Brasil, ao saber da condenação.

“Já me machucaram demais. Todos me acusam, sem dar crédito às minhas palavras. Eu amo minha esposa e minha filhinha. Estou sufocado por tudo isto. Ninguém acredita em mim. Não adianta eu falar mais nada sobre aquilo”, comentou Cuca, emocionado.

O ex-meio-campista também falou o que aconteceu naquele dia, em Berna. “Ela subiu par fazer sexo com um de nós no apartamento. O nome, reservo-me o direito de não mencionar. Eles estavam em pleno ato quando apareceu o pai dela e armou todo aquele escândalo”, comentou Cuca, “agora firme e decidido, mas tentando conter um pouco a sua ira”.

“Foram dias e noites infinitas. Estava há quatro dias no Grêmio e com um contrato de cinco meses a cumprir. Pensei que estava tudo acabado para mim, embora tivesse a consciência tranquila. Quando soube da repercussão do caso na imprensa brasileira, então, aí mesmo que me desesperei”, afirmou Cuca, que relembrou um episódio específico com a Revista Veja.

“Os repórteres ficaram dois dias na casa dos meus pais em Curitiba, comeram, beberam e afagaram eles, para no final publicarem uma imagem monstruosa a meu respeito, como se eles fossem os donos da verdade. Me julgaram e condenaram sem ao menos saber dos fatos concretos”, lamentou.

Havia uma certa corrente no Grêmio que defendia que o jogador deveria retornar ao Juventude, clube que era dono de seu passe. No entanto, os bons desempenhos de Cuca em campo fizeram com que isso deixasse de ser cogitado. “(…) E assim foi se fortalecendo, não tardando a passar de bandido a herói”.

Na entrevista, Cuca seguiu se defendendo diante da condenação. “Foi uma tremenda patriotada do juiz. Foi uma grande armação. Pelo o que eu soube através do advogado do Grêmio, o pai dela estava separado da mãe e queria argumentos para brigar pela filha na justiça”, afirmou.

Segundo o jornal, o “caso Berna” trouxe consequências para a carreira profissional de Cuca, mesmo com seu bom momento em campo. “A frustrada tentativa de se transferir para o futebol italiano através do empresário chileno Patrício De La Varras e a reprovação do técnico da Seleção Brasileira, Sebastião Lazaroni, foram as primeiras consequências após o triste episódio”, relatou o jornal A Gazeta Esportiva.

Depois do Grêmio, Cuca ainda defendeu como jogador: Real Valladolid, Internacional, Grêmio novamente, Palmeiras, Santos, Portuguesa, Remo, Juventude e Chapecoense, além de ser convocado para a Seleção Brasileira em 1991.

Já como técnico, teve passagens por: Uberlândia, Avaí (duas vezes), Brasil de Pelotas, Inter de Limeira, Remo, Inter de Lages, Gama, Criciúma, Paraná, São Paulo (duas vezes), Grêmio, Flamengo (duas vezes), Coritiba, São Caetano, Botafogo, Santos (três vezes), Fluminense (duas vezes), Cruzeiro, Atlético-MG (três vezes), Shandong Luneng, Palmeiras (duas vezes) e Corinthians.

Após a curta passagem como técnico do Timão, Cuca voltará a ficar com sua família. Em seu pronunciamento de despedida, após a vitória do Corinthians por 2 a 0 contra o Remo e classificação para as oitavas de final da Copa do Brasil, o treinador disse que a saída se deu por um pedido de seus familiares e da grande repercussão negativa de sua chegada.

Em relação à condenação, Cuca pretende provar sua inocência e contratou os advogados Daniel Bialski e Ana Beatriz Saguas. A dupla passará a responder por ele tudo que envolver o “caso Berna”. que após quase 30 anos, votou com toda força possível.