A festa do Ramalhão no Maracanã - Gazeta Esportiva
Luca Castilho
São Paulo, SP
06/30/2019 08:00:49
 

“Após o término do jogo, eu lembro que estava à beira do campo travado. Eu escutei de dentro do Maracanã um grito de Santo André campeão de uma torcida que veio e engoliu um gigante. Isso para mim foi fabuloso. Imensurável o tamanho da alegria que nós tivemos pelo o que conquistamos, contra quem e onde”, relembrou o então auxiliar Sérgio Soares, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

No dia 30 de junho de 2004, o Santo André encarou o Flamengo, no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, pela segunda partida da final da Copa do Brasil e venceu por 2 a 0. Como o jogo da ida terminou empatado por 2 a 2, o Ramalhão fez história e ficou com o título da competição, o seu primeiro e, até agora, único troféu nacional.

Naquela noite, há exatos 15 anos, o time do ABC paulista superou inúmeras dificuldades e mesmo em um cenário adverso, derrotou os comandados de Abel Braga e ficou com a taça.

“O que eu mais guardei de bacana da final foi a imagem antes do juiz dar o início do jogo. Eu olhei em volta e o estádio estava lotado, a torcida do Flamengo tremulando as bandeiras. Quando estava naquele momento, veio um filme na minha cabeça, naqueles poucos segundos”, disse o atacante Sandro Gaúcho.

Foi um dos melhores momentos da minha carreira – Péricles Chamusca

A festa na grande decisão

Na primeira partida da final, Santo André e Flamengo se enfrentaram no Palestra Itália, com mais de 20 mil pessoas no estádio, e o jogo terminou igualado por 2 a 2. Osmar e Romerito marcaram para os paulistas, enquanto Roger e Athirson descontaram para os cariocas.

Com o resultado, a confiança dos rubro-negros estava alta, já que teriam a vantagem de definir a competição em casa diante de sua numerosa torcida.

“Quando nós chegamos no estádio, que eu subi até o campo, vi um palco entre os dois bancos. Era para o show da Ivete Sangalo, que na época a música “Poeira” era a mais cantada no país. Já estava tudo pronto para a festa do Flamengo. Desci para o vestiário e disse para o pessoal: “O palco está pronto, agora vamos ver quem vai fazer a festa. Se vamos deixar eles fazerem ou nós vamos fazer parte do show”, comentou Sérgio Soares.

Até hoje o Santo André tem uma estrelinha amarela na camisa e fico feliz em ter contribuído para isso – Sandro Gaúcho

“O cenário estava pronto para a conquista. O grupo estava muito confiante. A gente tentou sempre buscar esse cenário externo que foi desenhado de que praticamente o Flamengo já seria o campeão da competição, inclusive com várias ilustrações de jornais. Isso só fez dar mais energia a nossa equipe”, completou o técnico Péricles Chamusca.

Após uma etapa inicial sem gols, o jogo foi para o intervalo zerado. Diante de 71.988 torcedores no Templo do Futebol, o Ramalhão se impôs no segundo tempo e marcou duas vezes. Sandro Gaúcho balançou as redes aos sete minutos e Élvis decretou o triunfo aos 22.

“O gol que mais me marcou foi o contra o Flamengo. Todo jogador sonha em atuar em um Maracanã lotado e contra um gigante como Flamengo. Ficou marcado na minha história e na do clube. A ficha caiu muito tempo depois da conquista”, enfatizou Gaúcho, então com 36 anos na época.

Cumprindo suspensão, o comandante Péricles Chamusca precisou acompanhar a decisão da arquibancada. Para seu lugar, o auxiliar Sérgio Soares ficou à beira de campo.

“O jogo do Maracanã foi memorável. Na partida, a gente não tinha comunicação nenhuma com o Chamusca, então toda decisão de campo foi tomada por mim, mas sabendo o pensamento do Chamusca também. Fiquei muito feliz porque consegui fazer toda leitura que o Abel Braga. Toda alteração que ele fazia a gente alterava em cima. A gente sabia que o Flamengo não ia ficar atrás e conseguimos suportar”, destacou Soares.

O jogo-chave

Antes de chegar à grande final, o Santo André precisou derrubar uma série de clubes. Na fase preliminar, derrotou o Novo Horizonte com uma sonora goleada por 5 a 0. Na segunda fase, eliminou o Atlético Mineiro, enquanto nas oitavas, o Guarani. Até que uma grande pedreira paulista apareceu pela frente, o Palmeiras.

Sob o comando de Jair Picerni, o Verdão tinha um elenco de peso com nomes como o goleiro Marcos e o promissor atacante Vagner Love.

Na ida, um empate por 3 a 3, no Estádio Bruno José Daniel, em Santo André. Pelo placar da primeira partida, um simples empate garantia o Palmeiras na semifinal, porém a história foi diferente.

Em um Palestra Itália lotado, o Ramalhão abriu o placar, sofreu a virada, conseguiu igualar o marcador, mas foi para o intervalo perdendo por 3 a 2. Na volta, o Verdão ampliou a vantagem para 4 a 2 e parecia ter sacramentado a classificação. Contudo, os deuses do futebol estavam ao lado do Santo André, que em menos de 10 minutos empatou a partida, calou o estádio palestrino e carimbou sua vaga na próxima fase.

“Posso dizer que a partir do jogo do Palmeiras, entendemos que conseguiríamos ir mais longe. Então se teve um jogo-chave foi esse 4 a 4 contra o Palmeiras, que nos encheu de confiança”, garantiu Sérgio Soares.

“Esse duelo contra o Palmeiras foi um ponto de partida muito importante. A equipe mostrou que teria uma condição de chegar longe na competição. Foi fundamental para o fortalecimento do aspecto mental”, destacou Chamusca.

A dupla Péricles Chamusca e Sérgio Soares

Chamusca assumiu o time após a saída de Ferreirão (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Classificado às quartas da competição contra o Palmeiras, o Santo André sofreu um grande baque. O então treinador Luiz Carlos Ferreira, o Ferreirão, aceitou uma proposta do Sport e decidiu deixar o clube paulista. Para seu lugar, o Ramalhão decidiu apostar em Péricles Chamusca, treinador vice-campeão da Copa do Brasil com o Brasiliense em 2002.

“Na minha chegada, tentamos implantar pouco a pouco nossas ideias. Acho que o mais importante foi o cenário positivo que a gente tentou colocar depois de conhecer o potencial do grupo. Pela comissão técnica que existia lá, o trabalho que estava sendo feito. Tudo isso foram sinais positivos de que a gente poderia chegar mais longe dentro na competição”, disse Chamusca.

A cidade de Santo André passou a ser conhecida no cenário nacional – Sérgio Soares

E logo em sua chegada, o comandante teve um grande apoio no banco de reservas. O então capitão da equipe e experiente meia Sérgio Soares decidiu pendurar as chuteiras.

“Após eu encerrar a minha carreira como atleta, eu, de imediato, fui inserido na comissão do Santo André. Após a partida das oitavas contra o Guarani, recebi o convite e ia ficar como um coordenador de futebol no clube. Mas o Ferreira saiu para o Sport e o Chamusca veio, porém o auxiliar dele, o João Marcelo, um ex-zagueiro, colocou o Santo André na justiça e o Jairo (presidente) não quis ele na comissão”, relembrou Soares.

Sérgio Soares pendurou as chuteiras e logo virou auxiliar no clube (Foto: Djalma Vassão/Gazeta Press)

Contratado pouco depois da chegada do treinador, o experiente atacante Sandro Gaúcho falou sobre o comandante. “O Chamusca foi peça fundamental. A experiência dele, que adquiriu sendo vice-campeão da Copa do Brasil no ano anterior com o Brasiliense, a tranquilidade e a sabedoria. Cada jogo era uma estratégia diferente com ele”, ressaltou.

E a dupla Chamusca e Soares funcionou muito bem. “O Sérgio Soares, que estava comigo como meu auxiliar, já conhecia muito bem o grupo, me ajudou, foi peça fundamental no meu trabalho porque ele tinha acabado de parar como jogador e eu o puxei para ser meu auxiliar. Ele tinha uma boa liderança e se encaixou, se entrosou muito bem com a nossa metodologia de trabalho”, disse o treinador.

Cada jogo era uma dificuldade, mas nossa equipe mereceu aquele grande título – Sandro Gaúcho

“O Chamusca foi fundamental na reconstrução, no jeito desse time jogar e nessa conquista importante para a história do Santo André”, relembrou o auxiliar.

Dificuldades até a conquista

Apesar da vibrante campanha na Copa do Brasil, o Santo André disputava a Série B do Campeonato Brasileiro e vivia um verdadeiro drama. O clube foi punido com a perda de 12 pontos após ter escalado o zagueiro Valdir e o atacante Osmar nas partidas contra Paulista e Avaí, sem que seus nomes estivessem no BID (Boletim Informativo Diário) da CBF.

“O julgamento foi durante esse período da Copa do Brasil. Isso era muito complicado para a gente separar essa parte emocional de estar dividindo duas competições e em uma a gente estava sendo arrastado para a Série C”, relembrou o auxiliar Sérgio Soares.

Naquela época, seis clubes eram rebaixados à terceira divisão nacional e o clube paulista corria sérios riscos. Apesar das dificuldades, o Ramalhão conseguiu se salvar do rebaixamento, terminou na 14ª colocação, e ainda levou o troféu da Copa do Brasil para o ABC paulista.