Novo desafio de Gualberto - Gazeta Esportiva
Felipe Leite
São Paulo, SP
04/19/2023 06:00:49
 

O mundo da fantasia é composto por personagens que viveram grandes aventuras. Hércules, Robin Hood, Mulan, Dom Quixote… a lista é longa. Gualberto Luiz da Silva Júnior não figura em tal universo, tampouco pertence a ele. Mas se o âmbito esportivo contemplasse tais heróis, Gualberto certamente estaria elencado.

“Sofri um acidente em campo e estou precisando da ajuda de vocês. Infelizmente fiquei um tempo sem conseguir clube para jogar e comecei a jogar pelos times de várzea. Sofri um acidente em campo, fui encaminhado para o hospital. Levei uma cotovelada, no qual tive um afundamento no osso da face que está afetando a minha visão.”

O relato, escrito no Instagram pessoal de Gualberto — mas verdadeiramente digitado pela esposa, já que o incidente prejudicou a visão do atleta —, representa o início de mais um capítulo para a longa lista já existente da relação entre o (ex?) jogador e o futebol.

Relação nem sempre positiva, diga-se.

“Como não arrumei nenhum lugar para jogar profissionalmente, vinha atuando um pouco na várzea de fim de semana. Eu tinha jogado de manhã e depois fui jogar um campeonato no Morumbi, na Vila Rebouças. Houve uma fatalidade na partida, infelizmente, em um lance besta. O próprio companheiro da minha equipe acabou acertando o cotovelo no meu olho. E foi no meu olho bom, que eu enxergava — no outro eu acabei perdendo minha visão periférica e enxergo mais ou menos 50% só. Quando ele acertou, todo mundo falou que eu tinha que tomar ponto, mas eu nem fiquei preocupado com isso”, relatou Gualberto, em entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.

“Fiquei preocupado, na verdade, com a minha visão: eu tentava abrir o meu olho e não enxergava nada”

Mas espera aí. “Olho bom”? Vamos rebobinar.

Idas e vindas

Tudo começou nas categorias de base do Palmeiras. Tempo de Academia, Gualberto teve: foram quase 10 anos por lá e passagem por tudo quanto é canto: categorias de base, time B, profissional. Nos juniores, comeu carne de cachorro sem querer ao disputar um torneio com o Verdão na Coreia do Sul. Depois, recebeu uma TV de presente do goleiro Marcos em 2010, foi emprestado para ABC e Oeste, eventualmente saiu do clube em 2012. História? Tem para dar e vender.

Após ser dispensado do Verdão, a realidade da maioria dos atletas brasileiros bateu à porta: Gualberto rodou, rodou e passou por diversos clubes do Brasil. Penapolense, América-MG, Criciúma, Botafogo-SP, Nacional, Joinville, Ferroviária, Ituano, Portuguesa Santista, Paysandu. Não necessariamente em ordem cronológica, pois, já que foi no time paraense que mais um capítulo da conflituosa relação com o esporte aconteceu.

Em 2017, quando defendia o Paysandu, Gualberto sofreu descolamento de retina em seu olho direito.

O resultado? Perda da visão periférica — o que invariavelmente prejudicou Gualberto, de 33 anos, em termos técnicos. A consequência final foi uma dificuldade ainda maior de encontrar algum clube profissional para dar seguimento à carreira, eventualmente — e a várzea surgiu, pois, como alternativa.

No último domingo, o incidente anteriormente descrito ocorreu. Agora no lado esquerdo, Gualberto tomou uma cotovelada durante a partida e, a partir daí…

O drama tomou conta

“Quando cheguei no oftalmologista, comecei a passar mal e desmaiei. O doutor disse que não tinha condições de me atender na hora, tinha que me levar ao hospital. O mais próximo era o (Hospital) Santa Catarina. O meu amigo que estava comigo me trouxe, mas no meio do caminho fiquei pior ainda”, contou à reportagem.

“Cheguei ao hospital, tive os primeiros socorros e falaram que eu não estava respondendo, meio desmaiando. Eu só lembro da médica dizendo que tinha que me entubar. Fizeram uma tomografia e no resultado deu uma lesão na face que poderia prejudicar minha visão, eu poderia ficar com visão dupla. Precisava fazer cirurgia, mas a questão é que o valor dela é de 50 mil reais”, completou.

“Eu tinha dinheiro guardado, mas não chegava nem perto disso. Eu e meus pais estavam tentando algum hospital do SUS para baratear. Ficamos nesse impasse”

Com o risco de prejudicar ainda mais a visão ao longo da espera, Gualberto e a família resolveram agir. Contaram o caso nas redes sociais e a ideia foi de levantar uma ‘vaquinha’, online, para ajudar nos custos da cirurgia.

O valor, ou ao menos grande parte dele, foi reunido. Gualberto não soube precisar exatamente, mas contou com a ajuda dos amigos para quitar o pagamento inicial e dar início ao processo cirúrgico, que aconteceu na última terça-feira (18).

A tentativa de divulgar o incidente nas redes sociais foi de contar com a ajuda dos tantos clubes pelos quais Gualberto passou e reuniu histórias. Nada feito, entretanto.

O pedido de ajuda que Gualberto postou em suas redes sociais (Foto: Reprodução/Instagram)

“Um amigo meu ligou para vários clubes que atuei, mas ninguém entrou em contato comigo. Algum (time) pode ter me ajudado com algum valor, mas não sei dizer. Contato de nenhum clube eu tive”, revelou.

O que vem pela frente?

Seja como for, o foco agora é se recuperar e partir para os próximos capítulos de sua relação com o futebol. Gualberto garante, entretanto, que não vai mais atuar profissionalmente — o trauma psicológico é presente demais para ser ignorado. Aos poucos, o livro vai chegando ao fim.

“Sinceramente, acho que é muito difícil falar de futebol agora. É algo que amo, minha alegria. Mas esse desespero que passei de ficar sem enxergar foi um dos piores momentos da minha vida. Profissionalmente com certeza não vou voltar mais a jogar. Se voltar, será na várzea ou só por brincadeira. Eu não tenho mais condições”, desabafou, por fim, Gualberto.